Empreendendo com Amor
- Renata Lins
- 30 de nov. de 2016
- 4 min de leitura
Pequenos empresários veganos explicam as dificuldades de se manter no mercado sem abrir mão da causa animal

“Ser vegetariano ou vegano é mais do que deixar de consumir produtos de origem animal, é uma filosofia de vida”. Isso é o que afirma Angélica Ferreira Perez e André Cantu, durante uma palestra realizada no último dia 20, em um encontro vegano no bairro Ana Rosa, na zona sul de São Paulo. Ela é a idealizadora de um pequeno comércio chamado “Coxinha Vegana”, e ele, o fundador do restaurante “Broto de Primavera”.
Juntos, os dois assumiram o microfone para falar sobre empreendedorismo vegano.
Cerca de trinta pessoas ouviam atentamente as dicas e sugestões dadas pelos “chefs” para começar um negócio próprio. Uma mulher levantou a mão e disse que gostaria de abrir um empreendimento no quintal de sua casa e perguntou qual era a melhor forma de gerar uma renda a partir dessa iniciativa. A resposta veio no decorrer da apresentação, junto com os exemplos de dificuldades enfrentadas pelos palestrantes.
“Se quiserem ganhar dinheiro com empreendedorismo vegano, sugiro que comecem a pesquisar outros ramos de trabalho”, essa afirmação era unânime entre os dois. Definitivamente, ficar rico não seria uma consequência dessa atividade.
André tenta manter seu restaurante aberto há oito anos no bairro da Liberdade, no centro de São Paulo e afirma: “Eu não sou rico. Já houve vezes em que meus funcionários receberam o salário e eu fiquei com a menor parte”.
Ele é contra as redes de fast food que incorporam a comida vegana em seus cardápios e que produzem os alimentos em “em larga escala”, o empresário é adepto à comida estilo “caseira”, preparada delicadamente. Ele acha que o cuidado maior com o sabor faz parte da responsabilidade social da cultura vegana mais do que a produção para o lucro.
Angélica, que é formada em Gestão de Empresas, levantou um aspecto muito defendido por ela durante a palestra: a exploração da mão de obra dentro do capitalismo. A empreendedora apontou para as empresas que geram renda para o país se utilizando da força de trabalho mal remunerada, e disse ser totalmente contra essa atividade. Segundo ela, essa seria uma das dificuldades para o crescimento de pequenos empreendedores veganos, uma vez que a cultura repudia a exploração humana e animal. Ela explica que não tem como pagar funcionários para que seu comércio cresça, então, acaba ficando com todo o trabalho – que, por vezes, se estende a uma jornada de 16 horas diárias.
Eles não são contra o lucro, mas, não fazem dele o motivo maior para empreender. A razão para tamanho esforço e sacrifício seria o “amor pela causa”, “Para trabalhar com isso, a pessoa precisa ter suas bases muito bem fundamentadas, porque senão, é muito mais cômodo estar em um local e bater o cartão todos os dias”, afirma Angélica.
Há quem defenda que ter uma vida com base no veganismo custa caro. O palestrante André rebate essa crítica usando como exemplo a feira livre que acontece semanalmente em vários bairros de todas as cidades, aquela que a dona de casa pode comprar uma fruta ou legumes mais baratos, ou sugere, ainda, a agricultura familiar, ele garante que, assim, as pessoas terão, também, mais saúde.

Mesmo com barreiras
Uma pesquisa do IBGE, de 2015, revelou que mais da metade das empresas abertas no Brasil fecham as portas após o quarto ano de atividade. Isso mostra a dificuldade que o empresário brasileiro sente em se manter em pé diante de uma série de impostos como: Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição para o programa de Integração Social (PIS), Contribuição Social sobre o Faturamento das Empresas (COFINS), Imposto sobre Serviços (ISS), entre outros.
Apesar de todas essas dificuldades, a feira estava cheia de pequenos empreendedores ansiosos para mostrar seus produtos. Um deles era Dino Demartine, um empresário do ramo de calçados que explicava, com toda a atenção, a confecção dos sapatos que eram produzidos a partir de insumos de garrafas pet e de sobras de algodão e de calças jeans. Segundo ele, a empresa KERAI, fundada em 2006, tem como objetivo maior o resgate de uma vida simples e sustentável, usando os índios como exemplo.
Outro estande, dentre as dezenas que a feira abrigava, era o da empresa Alva Cosméticos, que desde 1988 cria produtos de beleza sustentáveis e que não tem por base a exploração animal. De acordo com a representante da instituição, há muitas dificuldades em se produzir cosméticos não testados em animais, mas que esse era o compromisso da Alva, que teria outras formas de realizar testes, como a utilização de pele sintética e de amostra humana (com voluntários).
Foco no amor
André e Angélica têm, pelo menos, três coisas em comum: trabalham com alimentos veganos, ficam horas e horas dedicados ao empreendimento e ganham pouco, porém, o que mais têm de semelhante, para além dessas características, é o amor pelo que fazem. Nem os impostos, nem a concorrência, nem quaisquer dificuldades podem tirar essa paixão pelos animais e pelo prazer de produzir um cardápio com marcas e assinaturas próprias. Para aqueles que desejam trilhar o mesmo caminho, Angélica dá uma dica: “O que vai te fazer não desistir são seus objetivos e o que você almeja com esse empreendimento, como a defesa pela a causa dos animais e para poder colocar sua cabeça no travesseiro e dormir em paz”.

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